“Nenhum país ficou rico no mundo só com agricultura”

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“Todos os países que são potencias agrícolas também são potencias industriais e tecnológicas…”

Paulo Gala é economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getúlio Vargas. Gala é economista pela Universidade de São Paulo, mestre e doutor pela FGV.

Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master


AgriBrasilis – Por que o senhor disse que não existe desenvolvimento econômico pela via agrícola?

Paulo Gala – Não existe desenvolvimento pela via agrícola no sentido de que nenhum país ficou rico no mundo só com agricultura. Todos os países que são potencias agrícolas também são potencias industriais e tecnológicas. Esse é o caso da França, Holanda, Espanha, dos EUA. O Brasil tem plenas condições de realizar esse desenvolvimento tecnológico e industrial ligado ao agronegócio.

O caminho que devemos tomar é o de industrializar o agronegócio, desde as sementes, que representam um setor com muita tecnologia, passando pelos fertilizantes, por todo o segmento dos químicos, as máquinas e equipamentos, etc. A gente não pode abandonar a ideia de industrializar o agro brasileiro.

Só produzir feijão, milho, trigo, café, soja, não é suficiente. A gente precisa produzir o “entorno” do agro. Precisamos industrializar esse entorno com produtos brasileiros, com máquinas brasileiras, químicos brasileiros. Isso é fundamental. A via agrícola ajuda, mas não é suficiente: nós precisamos da via agroindustrial. Esse caminho foi sucesso para todos os países que são potencias agrícolas e tecnológicas.

AgriBrasilis – O que significa dizer que “o Brasil não vai conseguir se reindustrializar produzindo botão e parafuso”?

Paulo Gala – Esses são produtos muito baratos e que hoje são dominados pelos asiáticos, principalmente a Ásia do Leste e a China.

O Brasil perdeu a capacidade de competir no âmbito dos preços mais baratos. Nos tornamos um país com renda per capita de mais de US$ 10 mil/ano, com salários maiores do que nos países asiáticos, então é difícil a gente competir por preços com eles. Precisamos competir em qualidade e inovação, com produtos diferenciados.

Cabe ao Brasil buscar fronteiras de industrialização em que o país possua vantagens competitivas. Esse é o caso dos fertilizantes e dos produtos químicos, por exemplo. Esses são setores onde temos muita matéria prima boa e barata. O setor de mineração também é um exemplo.

Nós devemos aproveitar nossas vantagens competitivas para buscar uma industrialização mais sofisticada. As políticas públicas são chave nisso, principalmente aquelas que forneçam créditos e subsídios para a inovação, a parte ambiental, a transição energética, transição ecológica, para o uso de energias mais limpas, etc. O Brasil tem feito muita coisa nesse quesito, com avanços na parte de energia eólica e fotovoltaica, por exemplo.

Precisamos pensar em uma industrialização “verde”, um novo projeto de industrialização, que use as vantagens competitivas ambientais do Brasil para produzir produtos sustentáveis. Esse é o nosso caminho de reindustrialização.

AgriBrasilis – Por que a indústria brasileira decaiu tanto? Até que ponto a China contribuiu para isso?

Paulo Gala – O avanço da indústria chinesa atrapalhou muito o Brasil. A China tem competido por preço nos últimos 30 anos, com uma mão de obra com salários muito baixos, além de câmbio muito desvalorizado, e com uma economia de escala gigantesca.

A produção industrial da China hoje é de US$ 4 trilhões por ano, ou seja, vinte vezes mais do que a brasileira, que é de US$ 200 bilhões por ano. Inclusive, a produção chinesa é o dobro da produção industrial americana: os EUA produzem US$ 2,2 trilhões por ano.

Competir contra a capacidade de economia de escala da China é muito difícil. O Brasil vai ter que encontrar nichos ambientais, de inovação, onde o país possua vantagens competitivas.

AgriBrasilis – O senhor considera um mito a ideia de que vamos “simplesmente promover uma abertura comercial e conquistar mercados”. Por quê?

Paulo Gala – Simplesmente fazer uma abertura comercial ou cortar tarifas não vai resolver nossa vida. O Brasil está atrasado na competição mundial do comércio porque a gente não tem o domínio de tecnologias, de marcas e patentes, etc. Cortar tarifas não vai resolver nada.

A gente precisa de políticas que estimulem a inovação, a industrialização, com crédito proveniente dos bancos públicos, do BNDES, com subsídios para a transição ambiental. É esse tipo de política pública que vai ajudar nossa reindustrialização.

Cortar tarifas não vai reindustrializar o Brasil: pelo contrário, acabar com as limitadas tarifas que restam pode acabar de vez com nossa indústria.

 

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