“…os semioquímicos não são venenosos ou letais. Sua função é interromper o processo de acasalamento das pragas…”
Paulo Rivara é gerente de operações de vendas da Suterra no Chile, e engenheiro agrônomo pela Universidade de Talca.
AgriBrasilis – O que é o controle de pragas através da interrupção do acasalamento?
Paulo Rivara – É uma estratégia utilizada para reduzir a população de insetos nocivos nas lavouras de forma mais sustentável e ambientalmente correta.
Feromônios são substâncias químicas que os insetos liberam no ar para atrair indivíduos do sexo oposto durante o processo de acasalamento. Quando a fêmea adulta está na fase reprodutiva, ela libera um sinal químico que permite que os insetos machos distantes as encontrem e se reproduzam.
A técnica de interrupção do acasalamento consiste em interferir nessa comunicação, saturando áreas da lavoura com feromônios sintéticos, que imitam os feromônios sexuais da fêmea. Esses produtos confundem os insetos machos e os desviam das fêmeas reais, impedindo a reprodução das pragas.
AgriBrasilis – Qual é o mercado de semioquímicos no Chile? Para quais culturas e pragas esses produtos são destinados?
Paulo Rivara – O mercado de semioquímicos no Chile está concentrado em feromônios de interrupção do acasalamento e iscas para armadilhas utilizadas para monitoramento de pragas.
O mercado de maior interesse é o de feromônios de interrupção do acasalamento para a praga Lobesia botrana [traça da videira]. Essa praga está sob protocolo de controle oficial obrigatório do governo, supervisionado pelo Serviço Agropecuário do Chile. Ela ataca os cultivos de videiras (uvas de mesa e para fabricação de vinho), ameixas e mirtilos.
Em segundo lugar se encontram os produtos baseados em feromônios de interrupção do acasalamento utilizados para controlar a mariposa Cydia pomonella [traça das frutas] em pomeiras e nogueiras, e a mariposa oriental (Cydia molesta) no cultivo de frutas de caroço.
Em terceiro lugar, também existem algumas alternativas de controle para outras pragas em hortaliças e plantas frutíferas.
AgriBrasilis – Como os semioquímicos se comparam aos inseticidas convencionais? Essa alternativa pode substituir completamente os inseticidas?
Paulo Rivara – Ao contrário dos inseticidas convencionais, que geralmente são compostos tóxicos projetados para matar ou controlar insetos diretamente, os semioquímicos não são venenosos ou letais. Sua função é interromper o processo de acasalamento das pragas.
Quanto ao modo de ação, inseticidas convencionais costumam ter efeito de contato ou ingestão, matando insetos assim que entram em contato com o produto ou o ingerem, enquanto os semioquímicos agem confundindo ou interrompendo o comportamento de acasalamento dos insetos.
Outra diferença importante é a seletividade. Inseticidas convencionais, por serem mais agressivos, podem ter um impacto negativo em organismos não-alvo, como insetos benéficos, polinizadores ou predadores naturais de pragas. Em contraste, os semioquímicos são mais específicos e seletivos, visando principalmente as espécies-alvo e minimizando o impacto em outros organismos.
Inseticidas convencionais podem gerar perda de sensibilidade ou resistência nas populações de pragas ao longo do tempo, o que reduz a eficácia do controle. No caso dos feromônios para interrupção do acasalamento, essa prática não exerce pressão seletiva para desenvolvimento de resistência, já que não afeta diretamente a sobrevivência das pragas.
Tanto os semioquímicos quanto os inseticidas convencionais têm seu lugar no manejo integrado de pragas. Dependendo do contexto e das características da praga em questão, diferentes abordagens podem ser combinadas para alcançar um controle eficaz e sustentável.
AgriBrasilis – No Chile, a lei exige o controle biológico por meio de semioquímicos nos vinhedos. Por quê isso aconteceu? Quais são os benefícios desta legislação?
Paulo Rivara – O controle obrigatório por meio de semioquímicos é específico para a praga Lobesia botrana. Essa praga é quarentenária para muitos mercados que são destinos de exportação das frutas do Chile.
A Lobesia botrana foi detectada pela primeira vez no Chile em 2008, na área de Linderos, Região Metropolitana. A praga, originária da Europa, ataca as vinhas do país. A sua larva causa danos diretos, alimentando-se dos cachos de uvas, e causando apodrecimento, desidratação das bagas, e grande redução de produtividade.
No caso das uvas de mesa, a presença dessa praga é condição de imediata rejeição por parte dos compradores, principalmente em destinos onde o inseto está ausente (EUA e China, por exemplo).
Depois de alguns anos tentando controlar essa mariposa apenas com uso do controle químico, em 2016/17 as autoridades sanitárias decidiram utilizar semioquímicos como padrão de controle obrigatório. Através desse plano de erradicação, as populações dessa praga têm permanecido baixas.
AgriBrasilis – Como as altas temperaturas no país afetaram a população de pragas?
Paulo Rivara – Altas temperaturas podem impactar significativamente as populações de pragas. A relação entre as altas temperaturas e a população de lepidópteros (grupo a que pertence a praga Lobesia botrana) é complexa e depende de vários fatores, como as espécies presentes nas lavouras e as condições ambientais específicas.
Em geral, altas temperaturas podem acelerar o desenvolvimento e o ciclo de vida dos lepidópteros. Isso ocorre porque eles são ectotérmicos, o que significa que sua temperatura corporal é influenciada pela temperatura ambiente. Temperaturas mais altas aceleram o metabolismo desses insetos, o que pode aumentar a taxa de desenvolvimento larval, pupação e emergência de adultos.
A aceleração do ciclo de vida pode ter várias implicações para a dinâmica populacional. Sob condições favoráveis, as populações de lepidópteros podem aumentar rapidamente devido a uma maior taxa reprodutiva e sobreposição de gerações. Isso pode resultar no aumento do número de indivíduos e na pressão da praga sobre as lavouras.
Altas temperaturas também podem ter efeitos negativos sobre as populações de lepidópteros. Temperaturas extremamente altas podem causar desidratação, reduzir a disponibilidade de recursos alimentares e aumentar a mortalidade de larvas e adultos. Além disso, temperaturas altas demais podem interromper a sincronização entre a fenologia dos lepidópteros e a disponibilidade de suas fontes de alimento, o que afeta negativamente sua sobrevivência e reprodução.
Algumas espécies podem ser mais tolerantes ao clima mais quente, e apresentar respostas mais favoráveis, enquanto outras podem ser mais sensíveis.
AgriBrasilis – Qual é o papel da Suterra no Chile e na América Latina?
Paulo Rivara – A Suterra tem um longo histórico de presença na América Latina. Nos últimos dois anos tivemos crescimento significativo em novos produtos no portfólio da empresa e na quantidade de parceiros e agricultores que utilizam nossos produtos.
Nossos sistemas de confusão sexual estão em países como Peru e Colômbia, que ainda não tinham tradição de uso dessa técnica sustentável. Temos operações na Argentina, Chile, Uruguai e México. Em breve pretendemos expandir para outros países.
Nosso foco tem sido nos frutos de caroço, tanto no Chile quanto na Argentina, mas nos últimos anos passamos a atender lavouras de uvas (mesa e vinho) e também estamos trabalhando com cultivos de frutas cítricas, mirtilos, etc.
AgriBrasilis – O que são sistemas de aerossol puffer? Em que diferem de outras tecnologias de difusão de semioquímicos?
Paulo Rivara – A Suterra é uma empresa que se destaca na inovação. Temos avançado em diferentes plataformas de emissão de feromônios. Atualmente, temos três tipos: feromônios pulverizáveis, difusores passivos, e difusores ativos de aerossol patenteados, da marca Puffer.
Os Puffer são dispositivos eletromecânicos capazes de liberar o feromônio no ambiente, de forma controlada e uniforme, durante toda a safra. Esse dispositivo não é afetado pelas condições ambientais, o que permite um uso racional e eficaz do feromônio. São dispositivos programados para emitir os produtos durante o período de maior atividade da praga.
O Puffer é capaz de emitir uma concentração estável e homogênea de feromônio em um determinado intervalo de tempo, sem interrupção, e durante todo o período de voo da praga.
Essa tecnologia permite que um número muito baixo de emissores controle uma grande área: com apenas duas unidades, podemos cobrir aproximadamente 10.000 m2. Esse baixo número de emissores facilita a instalação rápida no pomar, o que reduz a mão de obra e custos operacionais.
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