Desmatamento e agricultura brasileira

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Publicado em: 10 de agosto de 2021

Qual é a relação entre agricultura e desmatamento?

“Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e funciona como bomba d’água da agricultura sul americana.”

A área desmatada na Amazônia entre agosto de 2020 até junho de 2021 chegou a 8.381 km², o número representa um crescimento de 51% em relação ao período de agosto de 2019 a junho de 2020, como aponta o Imazon.  A floresta amazônica presta diversos serviços ambientais e sua supressão pode representar uma grande perda para a produtividade da agricultura brasileira.

andre guimaraes

André Guimarães, Diretor Executivo do IPAM

Para falar mais sobre o tema, a AgriBrasilis convidou André Guimarães, Diretor Executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) para uma entrevista sobre as consequências do desmatamento na agricultura brasileira. Agrônomo formado pela Universidade de Brasília (UnB), foi vice-presidente de Desenvolvimento da Conservação Internacional (CI) da divisão Américas, onde supervisionou a operação em dez países da América Latina. André também fundou e dirigiu a Brasil Florestas, empresa que focou na implantação de produtos florestais como serviços ambientais.

 

 


AgriBrasilis – Qual a relação do desmatamento e aumento da área cultivada?

André Guimarães – Nós temos um modelo histórico que pressupõe que a expansão da produção se deu em novas fronteiras. Acho que o Brasil se orgulha muito de hoje ser um enorme produtor agropecuário, de exportar pro mundo inteiro. Segundo o Ministério da Agricultura de alimentar 1,200 bilhão de pessoas todos os dias. Esse processo aconteceu nos últimos 40 ou 50 anos, então nós saímos de um país importador e passamos a ser um país autossuficiente e um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo.

Isso foi um resultado de vários fatores, então você tem pesquisa agropecuária, com a Embrapa como líder nesse processo, muito investimento em pesquisa e adaptação de variedades agrícolas para o Brasil. Muito investimento público em infraestrutura, financiamento agropecuário. Mas tem um outro lado, ao longo desses 50 anos nós abrimos 50% do cerrado e 20% da Amazônia, então esse processo não pode continuar dessa maneira por várias razões. Obviamente por uma questão reputacional, então o mundo hoje, os compradores de produtos agropecuários brasileiros estão intolerantes ao desmatamento, essa é uma questão global que tem a ver com a agenda climática, uma conscientização maior da sociedade e uma razão para mudarmos esse paradigma do expansionismo para um paradigma da intensificação.

Mas também razões internas, mais de 90% da nossa grande agricultura não é irrigada, depende dos ciclos de chuvas, e as florestas mantidas são um elemento fundamental da manutenção dos ciclos hídricos. Seja por razões reputacionais, seja por razões físicas e ecológicas, que dizem respeito à produtividade, este processo da substituição da vegetação nativa pela expansão da fronteira agrícola precisa terminar.

Então este paradigma do expansionismo precisa ser substituído por um novo paradigma, que é o da intensificação. Nós teremos que mudar as práticas, o que nos trouxe até aqui não será o que nos levará para o futuro.

AgriBrasilis – A que se deve o processo de formação de chuvas na América do Sul e qual o papel da floresta amazônica? Existem dados sobre a relação da diminuição das chuvas no Brasil com o desmatamento? Qual é a relação entre desmatamento e agricultura?

André Guimarães – Diminuição não é exatamente o termo, o que você tem é uma alteração do regime. Então, por exemplo, uma das grandes vantagens comparativas do Brasil é que você consegue plantar duas safras no mesmo ciclo, a safra e a safrinha. Então o agricultor planta soja, colher a soja, planta o milho, colhe o milho em sequência, para isso eu preciso ter uma distribuição de chuva ao longo de 6/7 meses pelo menos, então eu preciso de ter chuva na hora certa, no volume certo e  na distribuição certa ao longo de um período de tempo.

 As florestas são fundamentais para manter esse ciclo hídrico que permite, então, a gente ser competitivo na agricultura. Nós já começamos a observar na região do Mato Grosso e do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) uma redução de uma semana nesse ciclo de chuva, se a gente reduzir mais uma ou duas semanas a gente perde essa possibilidade de fazer a safrinha. Isso já está sendo observado pela ciência, nós pesquisadores do IPAM já estamos observando isso em algumas áreas no campo. Então já existe uma influência das mudanças climáticas que agravada pelo desmatamento nesse processo da distribuição da chuva, consequentemente colocando um risco adicional na nossa agricultura do futuro. Então esse é um processo que precisa ser interrompido, não só por uma questão reputacional mas por uma questão muito prática. Nós podemos estar perdendo competitividade na agricultura com a continuidade do desmatamento.

AgriBrasilis – Você comentou que um dos problemas é por nossa agricultura não ser irrigada. Se fossem instaladas mais irrigação, como seria essa relação, ainda precisaria da chuva ou elas ainda poderiam ocorrer mais espaçadamente?

André Guimarães – A irrigação pressupõe um investimento brutal, ou seja, é um sistema caro e não funciona em todos os lugares. Uma parte da solução pode ser através da irrigação, mas ela tem que ser muito bem planejada, porque ela demanda água de qualquer forma e você pode criar um outro problema, que é o abastecimento de água pras cidades e outros usos humanos. Então você criará uma concorrência pela água que pode em última instância implica em riscos para esse investimento. 

Imagine uma região produtora que invista milhões de dólares para instalar sistemas de irrigação, isso com o agravamento da crise climática, altera o regime de chuvas. Consequentemente a vazão desses rios, então você tem uma cidade rio abaixo que vai precisar dessa água e vai obrigar esses produtores a desligar o seu sistema de irrigação. Você desloca o problema, você não resolve o problema. Então a solução da irrigação é parcial e tem riscos associados, como a competição pela água. Então o melhor a se fazer é evitar o problema, como aquela frase de sempre é melhor prevenir do que remediar, pra agricultura é a mesma coisa, precaver no caso da agricultura é evitar o desmatamento pra manter os ciclos hídricos harmoniosos, para produzirmos da mesma forma.

AgriBrasilis –  Qual a influência da Amazônia da formação de chuvas na América do Sul?

André Guimarães – A amazônia é uma bomba d’água. Ela recebe a umidade do oceano que entra pelo oceano atlântico, recicla essa água e bombeia a água para atmosfera para formação de nuvens que ajudam a irrigar a agricultura do cerrado e em última instância até influencia a agricultura no sudeste, na Argentina e no Paraguai, toda a bacia do Prata e na Bolívia. Toda região do Conesul da América do Sul é influenciada pela umidade da Amazônia.

Existe uma combinação de umidade que entra no mar, umidade que é bombeada da floresta e os andes que formam uma barreira criando os chamados rios voadores. Então toda a dinâmica hídrica da América do Sul é influenciada pela amazônia.

Ou seja, é uma grande bomba d’água que funciona todos os dias de forma gratuita irrigando a nossa agricultura, disponibilizando nossa água pra gente poder viver nas cidades brasileiras. Esse ativo que nós temos no brasil precisa ser mantido por uma razão pragmática e objetiva, que é manter a qualidade de vida e capacidade produtiva no nosso país.

AgriBrasilis – De que modo a introdução de pastagens em áreas de vegetação nativa afeta a fertilidade do solo e a ciclagem de nutrientes? Os danos causados são irreversíveis?

André Guimarães – Qualquer substituição de vegetação nativa, seja para uma pastagem ou para a agricultura, vai promover uma alteração nesse ecossistema, principalmente no solo. Imagina uma floresta madura da Amazônia ou mesmo campos e florestas de menor porte no cerrado. Você tem uma permanente ciclagem de nutrientes, então a floresta cresce, depois as árvores morrem e nutrem o solo. Aquele solo nutrido permite o crescimento da floresta, um sistema em equilíbrio, um teor de matéria orgânica no solo. Este é um elemento fundamental para a fertilidade do solo, que é mantido pela ciclagem natural que a floresta promove. 

Se você remover essa capacidade de reciclar carbono e colocar uma cultura ou uma pastagem, você reduz a capacidade deste solo de manter e ciclar matéria orgânica que é um elemento fundamental da fertilidade do solo. Então a resultante disso é que a gente tem que colocar fertilizantes artificiais, nitrogênio, potássio e fósforo no solo. Porque o solo agrícola não tem a mesma capacidade do solo natural e do solo da floresta de fazer a ciclagem natural dos nutrientes.

Isso pode ser feito de uma forma boa ou de uma forma desequilibrada. Se você faz um bom manejo do solo, seja ele para a pecuária ou lavoura, você tem uma necessidade sim de ingresso de fertilizantes artificiais. Mas isso dentro de alguns limites você consegue ser competitivo. Se você degrada esse solo, a necessidade de ingresso de nutrientes é muito maior, consequentemente aumenta os custos e perde competitividade.

Logo, o bom manejo do solo e o equilíbrio na paisagem dos solos que são agricultura, pecuária e conservados é fundamental para você manter a capacidade de ciclagem de nutrientes e a competitividade da agricultura também.

AgriBrasilis – Como o clima global sofre com o desflorestamento na América do Sul?  

André Guimarães – Mais uma vez, a Amazônia é uma bomba e sendo assim ela também pode ser considerada um grande ar condicionado do planeta, quando ela ao evapotranspirar joga umidade para a atmosfera e consequentemente baixa a temperatura. Se você olhar o mapa do carbono acima da superfície do planeta terra salta aos olhos o volume de massa verde que você tem na região, quase 50% das florestas tropicais que você tem no planeta.

Um dado científico aqui do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, nós fizemos uma pesquisa no início dos anos 2000 no Mato Grosso onde vimos que tem uma diferença de temperatura de 6°C, dentro da floresta e na lavoura. Esta diferença de temperatura significa que essa floresta está ajudando a refrigerar aquela região e consequentemente o planeta.

AgriBrasilis – Quais medidas precisam ser tomadas pela sociedade brasileira agora para garantir a produção de alimentos nos próximos anos?

André Guimarães – Primeira medida é acabar com o desmatamento para manter a nossa capacidade produtiva, seja pela água ou pela fertilidade do solo. Assim, manter competitividade do Brasil como um player global na produção de alimentos. Um quarto do nosso PIB está ligado à agricultura diretamente ou indiretamente. Como eu mencionei, nós ajudamos a alimentar 1,2 bilhões de pessoas no mundo inteiro.

Então, parar o desmatamento significa a gente ter economia brasileira funcionando e manter a segurança alimentar no planeta.

Ou seja, se você colocar isso em uma escala, manter a Amazônia, manter o Cerrado e demais biomas e florestas brasileiras em pé é fundamental para a nossa economia. O que por sua vez é fundamental para a segurança alimentar do planeta. Está tudo encadeado.

Outra agenda fundamental é a conservação das florestas tropicais para manutenção do clima do planeta. Que se não for mantido o clima do planeta, ele rebate negativamente na produção brasileira. Mais uma vez, seja para manter a nossa produtividade hoje ou para o futuro nós precisamos parar agora com o desmatamento. Logo, essa é uma ação interativa da sociedade brasileira hoje!

AgriBrasilis –  Você comentou sobre a intensificação nas áreas que já estão abertas. Você acredita que deve haver uma mudança na forma como ela está sendo feita hoje?

André Guimarães – Eu acredito que todas as formas de agricultura devem ser compatibilizadas com a manutenção da integridade ambiental. Então a grande agricultura tem seu espaço, assim como a pequena agricultura familiar, que produz os alimentos que vão para nossa mesa. Hoje você tem  tecnologias como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), onde você tem em uma mesma área lavoura de feijão, de soja, assim como você tem o gado também, e nas linhas você tem eucalipto e outras árvores que geram fluxo de caixa para a propriedade e também conforto para os animais serem mais produtivos. Isto já está sendo aplicado.

Hoje nós temos, segundo a EMBRAPA, mais de 20 milhões de hectares de sistemas ILPF implementados no Brasil. Acho que essa é uma tendência porque você aumenta a renda, a resiliência daquele ambiente devido a reciclagem maior dos nutrientes do solo. Você reduz portanto os riscos e os efeitos das mudanças climáticas.  

Então na escala maior você tem o ILPF, mas na escala menor você tem os sistemas agroflorestais, isto acontece muito na Amazônia, no Cerrado e até na Mata Atlântica. Em uma pequena propriedade você tem 1 ou 2 hectares combinando espécies florestais misturando frutíferas e madeireiras, que serão colhidas com 15 ou 20 anos. Então você tem uma dinâmica em que cada mês você produz uma espécie como por exemplo açaí, bacuri, cupuaçu e outras. 

Há sistemas produtivos agrícolas que são mais harmoniosos com os desafios da sustentabilidade, geração de renda e manutenção da integridade dos serviços ambientais para as gerações futuras. Mas também não sou purista de dizer que tudo agora deva ser Sistema Agroflorestal e ILPF.  Não, eu acho que existe espaço para as atividades convencionais mais extensivas. Mas elas precisam em algum grau dar espaço para aquelas atividades que protejam mais os solos e os sistemas hídricos. Consequentemente reduzem o risco para a agricultura como um todo no futuro.

AgriBrasilis – Quando a gente fala sobre parar o desmatamento significa desmatamento zero a partir de agora?

André Guimarães – Tem uma questão importante que mais de 90% do desmatamento na amazônia é ilegal, feito pro grileiros, ladroes de terra e madeireiros ilegais. Esse precisa acabar amanhã. Essa questão do desmatamento e agricultura. 

Mas existem também direitos dos agricultores que precisam ser respeitados. Então o código florestal diz que você tem que manter 30% de reserva legal no cerrado. Mas tem agricultores que ainda tem 50%, 60% da sua propriedade com vegetação nativa. Este desmatamento também deve ser estimulado a acabar, mas aí a lógica é diferente. 

No ilegal é a polícia, o IBAMA e as secretarias de ambiente, é a força da lei. No segundo, como é direito do produtor, ele precisa ser trabalhado com incentivos, então é o pagamento por serviços ambientais, mercado de carbono que podem remunerar aquela floresta em pé.

O desafio no futuro é zero desmatamento, mas o ilegal deve ser atacado imediatamente através da lei e aquele que é legalizado deve ser trabalhado através desses incentivos, fiscais, creditivos, PSA, outras formas para você convencer aquele agricultor que tem o direito de desmatar, e ninguém aqui está discutindo tirar direito de ninguém. Mas a sociedade precisa criar os meios para estimular aquele que tem o direito de desmatar a se convencer a não fazer. Este convencimento na minha opinião deve ser feito através de incentivos e muitas vezes, incentivos econômicos.