“Não conhecemos nossos solos, com detalhes” Conservação e manejo de solos no território brasileiro

Publicado em: 28 de janeiro de 2021

Artigo de Pablo Miguel, docente especialista da Universidade Federal de Pelotas

Prof. Dr. Pablo Miguel da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

 

O solo é o componente mais fundamental que existe no ecossistema terrestre. Ele é a base de tudo, desde a agricultura até as grandes cidades. Sua má gestão pode causar danos permanentes ou dificilmente recuperáveis, o que impossibilitaria a produção agrícola e até construções urbanas, nos casos mais extremos.
A conservação deste bem visa protegê-lo contra deteriorações induzidas por fatores naturais ou antropogênicos, assim, mantendo-o produtivo entre as gerações.

 

Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Pablo Miguel possui mestrado e doutorado em Ciência do Solo pela UFSM. Atualmente é docente na Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Gênese, Morfologia, Levantamento e Classificação dos Solos.

Dr. Miguel redigiu o seguinte artigo para a AgriBrasilis sobre a importância de um manejo correto de solos, visando sua conservação.

 


 

Podemos afirmar que é no solo que ocorrem o desenvolvimento das ações humanas, sendo ele portanto, uma peça fundamental no entendimento dos ecossistemas do nosso planeta. É necessário desenvolver, encontrar, produzir, aperfeiçoar maneiras de entender os processos que ocorrem nos solos adequadamente, para que assim, seja possível aproveitar este recurso natural de forma mais humana, economicamente viável e ambientalmente sustentável afim de minimizar perdas econômicas, assegurando sua qualidade.

 

O cenário mundial relacionado à conservação e manejo de solos não é bom, e pode piorar. Foi isso que demonstrou um dos principais estudos vigentes à respeito das condições atuais dos solos, bem como o papel que esse recurso tem perante a sociedade – como produção de água e sequestro de carbono. O Status of the World’s Soil Resources foi publicado em 2015 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), sendo apresentado e discutido no mundo inteiro. Nele, podemos encontrar o estado atual da degradação das terras pela exploração em busca de maiores quantidades de alimentos, energia, fibras e minérios.


O documento destaca que mais de 30% dos solos do mundo estão degradados. Os principais indicadores dessa degradação são a erosão e a compactação de solos agrícolas (salinização, acidificação e contaminação completam a lista de problemas). Os processos erosivos ocasionam a perda de nutrientes e carbono orgânico, fazendo com que as perdas possam alcançar um patamar de redução de produção de aproximadamente 0,3% anuais. Para repor os nutrientes que são perdidos todos os anos durante esse processo são necessários valores na escala de bilhões de reais.


A compactação dos solos reduz os espaços vazios do solo e altera a sua densidade. O processo ocorre através de manipulação intensiva com condições de umidade inadequada fazendo com que o solo perca sua porosidade, reduzindo, portanto, o seu volume através da retirada do ar. Isso ocorre principalmente devido aos processos e manejos antrópicos. De acordo com o relatório da FAO já mencionado, a compactação pode reduzir até 60% dos rendimentos dos cultivos agrícolas no mundo. Segundo a pesquisadora da Embrapa Solos, Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, membro do comitê editorial e coordenadora da publicação (Status of the World’s Soil Resources) para a América Latina e Caribe, somente os problemas de compactação degradaram uma área de aproximadamente 680 mil km2 de solos em todo o mundo (4% da área total do solo). Como agentes principais dessa degradação temos o pisoteio de animais e a baixa densidade de cobertura vegetal natural ou de plantações. A compactação dos solos pode causar prejuízos de longo prazo ou até permanentes sendo que pode levar à redução da produtividade das lavouras por décadas.

 

Vários projetos relacionados à conservação e manejo dos solos vêm sendo desenvolvidos no Brasil nos últimos anos, porém, em escalas regionais ou locais (municípios, microbacias hidrográficas, etc). Projetos de conservação do solo em microbacias hidrográficas, incentivos de diversidade de culturas, programas de mitigação a processos erosivos, recuperação de áreas degradadas, melhorias nos sistemas de cultivo levantamentos edafoclimáticos.

No entanto, muitas vezes parece que trabalhamos de trás para frente, ou seja, nos preocupamos com a conservação e manejo dos “Solos” mas não conhecemos com detalhes este que é o agente principal, no qual todas as nossas ações recaem.


O Brasil dispõe hoje de informações referentes aos solos com um levantamento do tipo exploratório (pouco detalhado) dos solos de todo o país, executado pelo projeto Radambrasil (escala 1:1.000.000) na década de 70 até meados da década de 80. Alguns estados Brasileiros possuem mapas de solos em nível de reconhecimento (tipo de levantamento de solos com base na escala de trabalho), no entanto, ainda com nível de detalhe insuficiente para planejamentos de conservação e manejo de solos em escala de microbacias ou municípios. De acordo com o professor/pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil (UFSM), Ricardo Simão Diniz Dalmolin, mapas de solos em escalas pequenas, 1:750.000 ou 1:1.000.000, não são adequados para planejamento de uso e manejo de solos a nível de propriedades agrícolas. Segundo ele, para que se possa desenvolver um trabalho confiável em relação a planejamento de uso de solo, projetos conservacionistas, projetos de assentamentos, em áreas menores como municípios, bacias hidrográficas ou até mesmo propriedades agrícolas é necessário um conhecimento mais detalhado dos solos, ou seja, mapeamentos de solos em escalas mais detalhadas como 1:50.000 ou menores. É importante evidenciar que existe a plena possibilidade de alavancar o crescimento econômico do nosso país com base no potencial de uso dos solos. Evidentemente que para isso o conhecimento da aptidão dos solos é importante e somente conseguimos atingir esse conhecimento através das características de cada tipo de solo.


Uma das ações mais expoentes no momento no Brasil que visa retomar a realização dos levantamentos pedológicos em caráter multiescalar e respectivas interpretações, é o Programa Nacional de Levantamento e Interpretação de Solos no Brasil (PronaSolos). Projeto instituído inicialmente em 2017 pela Diretoria-Executiva da Embrapa que somente em 2018 foi oficializado com a assinatura do decreto presidencial nº 9.414, e ajustado pelo decreto presidencial nº 10.269 de 6 de março de 2020 que instituiu o Comitê Estratégico e o Comitê-Executivo do PronaSolos. Esses comitês são compostos por sete Ministérios, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e um representante das organizações estaduais de pesquisa agropecuária. O PronaSolos irá envolver, por um período estimado de 30 anos, dezenas de instituições parceiras como por exemplo, Universidades na figura de seus professores/pesquisadores. Inicialmente, nos primeiros 10 anos, o objetivo será mapear os solos de 1,3 milhão de km² do País em escalas que vão de 1:25.000 a 1:100.000.


Toda e qualquer iniciativa que busque a conservação dos solos e seu melhor manejo é de grande valia e certamente traz resultados. Porém, essas iniciativas, em maior ou menor escala, precisam ser bem aceitas pela sociedade e pela política do nosso País. De nada adianta um grande esforço de pesquisadores e técnicos se os nossos governantes não acreditarem nos trabalhos dessas pessoas. Precisamos produzir cada vez mais conhecimento técnico científico e que isso seja efetivamente usado em prol do nosso País, como forma de devolver à sociedade o investimento que foi feito no âmbito da educação. Somente produzindo conhecimento é que iremos conseguir chegar ao maior desenvolvimento do nosso País.