Para cada R$ 1 investido na Embrapa, o retorno é de R$ 12 para a sociedade

Publicado em: 9 de novembro de 2020

Em entrevista, presidente da empresa revela a importância da pesquisa em agricultura após quase meio século de investimentos.

Em 1977, 4 anos após a criação da Embrapa, o cenário agrícola brasileiro era de importação de alimentos. Foram colhidos 46,94 milhões de toneladas de grãos, plantados em 37,31 milhões de hectares¹.

Mais de 40 anos se passaram e, tanto a iniciativa pública quanto a privada consolidaram inúmeros investimentos em P&D, que os resultados obtidos foram de 245 milhões de toneladas colhidas em grãos em 63,9 milhões de hectares na última safra¹, representando produtividade 3 vezes maior e o País hoje assume o papel de líder mundial em produção de alimentos.

A Embrapa, por sua vez, tem importante participação nessa história, desde então já foram construídas 7 unidades centrais e 43 unidades descentralizadas, espalhadas por todo território nacional, dos quais 49,6% do quadro de funcionários possuem títulos acadêmicos superiores ao 3º grau, dentre eles 2.107 doutores e 318 pós-doutores, além da empresa manter 203 acordos bilaterais internacionais com mais de 45 países e 147 instituições.

 Já com atuação nesta vasta equipe há 26 anos, como pesquisador, está o engenheiro agrônomo Celso Luiz Moretti, que possui mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Viçosa, em fitotecnia, que em 1994 iniciou sua carreira na empresa. Celso Moretti tem se dedicado há uma década à gestão pública e desde julho de 2019 ele assume o cargo de presidente interino da instituição.

Em entrevista para a AgriBrasilis, o agrônomo pode dialogar sobre a importância do investimento em pesquisa em agricultura, além de falar sobre suas perspectivas na Embrapa como presidente e as principais linhas de pesquisa da empresa para manter a competitividade da agricultura a nível internacional no futuro.

 


 

AgriBrasilis – Quanto foi aplicado do Tesouro Nacional na Embrapa no ano de 2020? Em termos de resultados de pesquisas e seus impactos, que retorno é esperado de tal investimento?
Celso Moretti – O orçamento total da Embrapa para 2020 é de R$ 3,7 bilhões – um valor relevante, mas que, revertido em impacto social, beneficia enormemente a sociedade brasileira, como mostra o balanço social da Empresa.

Só para dar um exemplo, em 2019, foram analisadas apenas 160 tecnologias e cerca de 220 cultivares e o retorno foi de 12 reais para cada 1 real investido. Ao longo de quase cinco décadas, a Embrapa já desenvolveu e transferiu mais de 10 mil tecnologias para os setores agropecuário e florestal brasileiro.

Existe preocupação e compromisso da pesquisa com o retorno do investimento feito na ciência. Se hoje a agricultura brasileira conquistou a liderança no ranking dos países que mais produzem no mundo, foi graças ao investimento que foi feito em ciência agropecuária.

Entregas importantes têm sido feitas à sociedade. Para ficar em um exemplo: desenvolveu-se um inoculante que aumenta a quantidade disponível de fósforo nos solos para absorção. Estima-se que haja cerca de US$ 40 bilhões em fósforo acumulados ao longo de décadas e que, com a tecnologia, podem ser apropriados pelas plantas.

Outro exemplo: neste ano está sendo disponibilizado o processo de certificação e comercialização de produtos com a marca conceito Carne Carbono Neutro (CCN), que garante que os animais que deram origem ao produto tiveram as emissões de metano compensadas durante o processo de produção pelo crescimento de árvores no sistema.

 

AgriBrasilis – Haverá alguma mudança nos investimentos públicos para o ano de 2021 devido à crise?
Celso Moretti – A definição do valor destinado à Embrapa em 2021, assim como para as demais instituições que dependem prioritariamente de recursos públicos, está vinculada à Lei do Orçamento Anual (LOA), que precisa passar pela Comissão Mista de Orçamento e o Plenário do Congresso Nacional. A elaboração da proposta de orçamento compete ao Poder Executivo. Os recursos destinados ao programa de pesquisa e inovação agropecuária, que financiam as ações de pesquisa e desenvolvimento e transferência de tecnologias, também passam por um processo de captação de emendas parlamentares, articulado com o apoio dos centros de pesquisa da Embrapa em todo território nacional.

Acreditamos na compreensão dos parlamentares e dirigentes públicos para garantir o necessário para que a Embrapa possa continuar entregando soluções para a agropecuária nacional. De sua parte, a Embrapa tem procurado ampliar a aproximação com o setor privado, uma estratégia prioritária.

 

AgriBrasilis – Em pouco mais de 1 ano de mandato na presidência, quais mudanças puderam ser implementadas e quais são os planos para o futuro?
Celso Moretti – Além de atender as prioridades naturais dos diferentes segmentos do agro e do próprio Ministério da Agricultura, estamos buscando garantir mais autonomia e agilidade aos centros de pesquisa na busca por soluções sustentáveis, ajustar o modelo de operação, efetivar a aproximação com o setor produtivo e aumentar a capacidade de captação de recursos para reduzir a dependência do Tesouro Nacional, foram alguns dos prontos definidos estratégicos para a Empresa.

Internamente, reiniciamos o processo seletivo de gestores dos Centros de Pesquisa, que estava paralisado. Temos como meta a seleção para gestores de mais 20 unidades. Elaboramos o VII Plano Diretor da Embrapa, em conexão com as diretrizes do Governo Federal.

Temos focado bastante na melhoria do nível de informação sobre a agricultura brasileira no exterior. Somos um País não só de referência científica na agropecuária, mas detentor de uma plataforma consolidada de sustentabilidade associada à produtividade.

Precisamos deixar claro que o agro brasileiro, que já exporta para mais de 180 países, poderá fazer ainda mais, levando a tecnologia desenvolvida no Brasil para outras regiões do cinturão tropical, abrindo cada vez mais oportunidades para os negócios.

 

AgriBrasilis – Uma das diretrizes do governo tem sido de reduzir o número de empregos e empresas do poder público, tais metas impactam de alguma forma a Embrapa?
Celso Moretti – A Embrapa tem se antecipado e atua na reestruturação da empresa, por várias questões – não só ligadas à redução de seu quadro de pessoal, mas particularmente buscando a modernização e otimização da sua estrutura interna.

O Plano de Desligamento Incentivado da instituição, lançado no ano passado, teve mais de mil adesões de empregados que se enquadraram nos critérios de idade e tempo de serviço. A iniciativa vai beneficiar os investimentos que precisam ser feitos em projetos importantes da pesquisa relacionados a quatro áreas prioritárias que são edição genômica, agricultura digital, bioeconomia e sistemas integrados.

 

AgriBrasilis – Qual a importância de se investir em pesquisa em agricultura?
Celso Moretti – Sem investimento não há pesquisa e sem pesquisa não há inovação. E é a inovação que abre as possibilidades para o desenvolvimento de soluções tecnológicas em benefício do agro.

Se há quase cinco décadas não tivéssemos investido em ciência agropecuária, certamente, o Brasil ainda estaria na condição de importador de alimentos e dependente da produção estrangeira.

Em 2019, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), a soma de bens e serviços gerados no agro negócio chegou a R$ 1,55 trilhão ou 21,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

A pesquisa agropecuária tem sido o suporte a todo esse desempenho, que resultou na redução do preço da cesta básica, melhorou a saúde e a qualidade de vida da população. A pesquisa contribui para que haja excedentes maiores e ocorra a transformação da produtividade.

 

AgriBrasilis – Em 47 anos de empresa, que mudanças no agronegócio nacional se pode vivenciar e desenvolver?
Celso Moretti – Inúmeros exemplos poderiam ser dados relacionados às mudanças do agro nacional. Neste momento, vale destacar uma das mais significativas possibilidades de avanço para a agropecuária do Brasil: o aproveitamento do bioma cerrado para a produção de trigo, um cultivo característico de clima temperado e regiões mais frias.

O bioma está gerando um trigo de excelente qualidade, muito adequado para panificação. A qualidade do trigo produzido no Cerrado tem sido comparada a do trigo produzido no Canadá e Estados Unidos. A BRS 264 é uma das cultivares desenvolvidas e plantada em cerca de 80% da área cultivada com trigo no Cerrado. É a ciência que está dando esse protagonismo a uma região que no passado era tida como árida e infértil.

As cultivares utilizadas no Cerrado foram desenvolvidas ao longo de 40 anos de pesquisas, totalmente voltadas às características climáticas da região. Além de compor a renda dos produtores, ainda atua no ciclo de culturas, contribuindo com a interrupção da ação de pragas e doenças de culturas como feijão e hortaliças.

A expectativa é que a área cultivada com trigo no Cerrado chegue à 1 milhão de hectares até 2025, mas o potencial indicado pelas pesquisas é acima de 2 milhões de hectares. Não há dúvidas de que a autossuficiência do trigo no Brasil passa pelo cultivo no Cerrado.

Para o agro nacional, este trigo representa um produto promissor ainda pelo preço, porque o Cerrado é a primeira região a colher o trigo. Além disso, o Cerrado está mais próximo dos principais centros consumidores.

 

AgriBrasilis – Quais foram as contribuições da Embrapa para a sustentabilidade brasileira no cenário internacional?
Celso Moretti – O trabalho da Embrapa está vinculado principalmente à produção de alimentos alinhada à geração de inovação sustentável no campo.

A fixação biológica de nitrogênio, as tecnologias para recuperação de áreas degradadas, os sistemas de produção integrada, controle biológico, agricultura de baixo carbono, bioeconomia, plantio direto, adaptação de espécies para garantir eficiência de uso de água em regiões semiáridas, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), entre outras experiências de sucesso, representam ativos em plena utilização pela sociedade com extraordinário impacto.

Um dos destaques recentes neste tema foi o lançamento do primeiro inoculante nacional para solubilização de fósforo, elemento vital para o desenvolvimento das plantas. O produto, inicialmente específico para a cadeia do milho, foi testado em 400 áreas agrícolas diferentes, durante 17 anos de estudos, e comprovou possibilitar aumento de produtividade de cerca de 10%.

 

AgriBrasilis – Quais são as maiores frentes de pesquisa que a empresa tem focado?
Celso Moretti – Temos definidas quatro grandes linhas de pesquisa, identificadas como prioritárias no enfrentamento dos cenários futuros do agro no Brasil e no mundo.

Uma é a agricultura digital, que envolve os conceitos de plataformas digitais de dados abertos (open data), identidade digital, blockchain, drones e inteligência artificial, sistemas integrados e complexos, Big Data, internet das coisas, robótica e uso de sensores em larga escala.

Outra prioridade é a pesquisa em edição genômica, as chamadas ferramentas de tesouras genéticas, a partir das quais é possível editar o DNA de plantas, animais e microrganismos. Por meio dessa tecnologia, pesquisadores podem, por exemplo, obter uma cultivar de soja adaptada à seca e resistente a pragas, como nematóides, que atacam as raízes e matam as plantas. A edição genômica é uma tecnologia que poderá substituir os transgênicos, e impactar favoravelmente na questão das barreiras impostas aos alimentos produzidos no Brasil, que sofrem restrições para chegar ao mercado europeu.

A bioeconomia também está na pauta das prioridades da pesquisa. Estamos em um País que tem uma das maiores biodiversidades do mundo. São inúmeras as oportunidades para o Brasil assumir o protagonismo nessa área, como o avanço na produção de bioinsumos e a busca por soluções de problemas da agricultura.

Também têm sido empreendidos esforços nas pesquisas voltadas aos sistemas integrados de produção. A associação entre lavoura, pecuária e floresta, fez surgir, uma agricultura mais sustentável e oferece mais renda ao produtor.

 

¹ Conab – Companhia nacional de abastecimento