Classificação dos solos como ferramenta na produção agrícola

Publicado em: 23 de novembro de 2021

“Ações de educação em solos têm sido aplicadas desde o ensino básico até o ensino superior, e chegam ao campo como um suporte ao agricultor”

Adriana Aparecida Ribon é Professora na UEG, onde foi diretora do campus de Palmeiras de Goiás, e Pró-Reitora de extensão, Cultura e Assuntos Estudantis. Desde 2011 é coordenadora do Projeto de Extensão Educação em Solos para Todos. Ribon é Engenheira Agrônoma e Pós-doutorada em Ciência do Solo pela UNESP, Doutora em Ciência do Solo pela UEL e mestre em Ciência do Solo pela UNESP.

A preocupação com a saúde do solo e a produção de alimentos a nível mundial tem se intensificado. A terra pode ser o nosso maior aliado, porém, nos próximos 25 anos, a degradação da terra pode reduzir a produtividade global de alimentos até 12%, levando a um aumento de 30% nos preços mundiais dos alimentos (1).

Cada vez mais estudos são direcionados para um manejo adequado dos solos de forma racional, visando a produtividades das culturas com uma menor degradação.

O Brasil possui ampla diversidade de solos representados por 13 ordens de solos (2). A maior parte dos solos do Brasil é representada pela Ordem dos Latossolos, que apresentam baixa fertilidade natural decorrente de minerais altamente intemperizáveis, característica predominante nessa classe de solos. O cultivo intenso e atividades antrópicas não planejadas podem causar alterações no meio, promovendo a degradação.

Para um planejamento adequado e direcionado, visando à máxima produtividade das culturas sem a degradação dos solos, deve-se ter amplo conhecimento sobre suas características. Para isso é primordial a classificação pedológica: ela auxilia na escolha da melhor forma de manejar sua fertilidade química e física, promovendo melhor direcionamento das práticas de calagem e adubação, além do manejo dos atributos físicos do solo, indicadores do estado e/ou grau de compactação.

Entretanto, tal classificação dos solos é prática pouco utilizada pelos produtores.

Indicadores pedológicos do solo: para além da camada arável

Conhecer os indicadores pedológicos de cada classe de solo permite a adoção de sistema de manejo mais adequado, minimizando os impactos do uso e ocupação dos solos.

Exemplo do manejo sem o conhecimento detalhado dos atributos pedológicos diz respeito ao manejo da fertilidade do solo: indicações de doses de adubos, calcário e gesso com base somente na textura dos solos (teores de argila), sem o conhecimento do tipo de mineralogia presente na fração argila dos solos. A classe dos Latossolos, por exemplo, pelo intemperismo avançado, o tipo de mineral de argila pode apresentar uma baixa retenção de água e de nutrientes, tornando a reserva nutricional escassa para as plantas, mesmo quando estes se enquadram em classes texturais de argilosas para muito argilosas.

solos latossolo

Perfil de um Latossolo Vermelho Amarelo sob mata nativa (Palmeiras de Goiás-GO)

Outro aspecto importante é a elevada capacidade de adsorção de fósforo (ânions fosfatos) pelos Latossolos, que apresentam maior quantidade de óxidos de ferro e alumínio presentes na fração argila, dificultando o manejo da adubação fosfatada.

Indicadores pedológicos (atributos morfológicos, físicos, químicos e mineralógicos) devem ser caracterizados para além das camadas superficiais dos solos.

Os atributos identificados nos perfis de solos para “além da camada arável” são relevantes para a avaliação da disponibilidade potencial de nutrientes, salinidade, perdas de nutrientes por volatilização e emissão de gases de efeito estufa (3).

Levando em consideração o manejo do solo como um conjunto e as relações entre os seus atributos, propriedades físicas do solo, indicativos da compactação e/ou adensamento, também devem ser avaliadas em subsuperfície. Camadas adensadas e/ou compactadas afetam o crescimento radicular das culturas e consequentemente a disponibilidade e absorção de água, aeração e a absorção de nutrientes pelas raízes de plantas.

Portanto, a classificação e caracterização pedológica dos solos visando o manejo como um todo auxiliará na avaliação das potencialidades e limitações para o uso agrícola.

Aplicações práticas da pedologia: contexto acadêmico

Desde 2013, a Universidade Estadual de Goiás realiza pesquisas com o objetivo de relacionar a classificação do solo à fertilidade, gerando assim um manejo direcionado para cada área agrícola.

Os dados são replicados com sojicultores da região visando a recuperação do solo, redução de custos e ampliação da produtividade. Poucos são os produtores rurais que buscam resultados de pesquisa relacionando a classificação dos solos e seus atributos com a fertilidade química e física do solo para obterem resposta melhor da adubação, e, com isso, uma produtividade maior.

Assim, é feita uma recomendação de adubação mais direcionada. Podemos fazer com que o produtor gaste menos, buscando uma relação custo benefício muito melhor.

Exemplo: O engenheiro agrônomo Regis Rates de Melo, produtor em Palmeiras de Goiás-GO, resolveu praticar a teoria em sua propriedade. Regis conta que pelo menos há 10 anos não havia um manejo com rotação de culturas na área de soja sob sistema de plantio direto, o que resultou em uma compactação do solo e produtividade estagnada em 48 sacas por hectare. (4)

Na área de Regis foi feito uma descrição do perfil do solo em uma trincheira aberta de forma representativa no meio da lavoura e retiradas amostras de solos para análises morfológicas, químicas, físicas e mineralógicas em até 1,5m de profundidade. O solo foi classificado de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação dos solos (5) como Latossolo Vermelho Amarelo, ordem de solos com baixa fertilidade natural. “É importante conhecer a classe de solos, já que possui propriedades distintas. Com isso busca-se um manejo da fertilidade de forma diferenciada”.

Após esta análise inicial, foi direcionada uma recomendação mais voltada para o aumento da matéria orgânica do solo. A ideia foi repor a matéria orgânica na forma de um adubo organomineral para melhorar a retenção de nutrientes deste solo. Os resultados refletiram no vigor da planta: “Ela está mais bonita, robusta, resistente e menos susceptível às mudanças de clima e pragas”, conta Melo. Foi um experimento de longa duração com reflexos satisfatórios nas próximas safras.

A pesquisa associa atributos de mineralogia do solo, para poder ajudar a definir a adubação. Isso é um avanço extremamente significativo. Hoje, sabemos que várias propriedades não maximizam o uso do adubo. Hoje, o produtor precisa ter a preocupação em fazer uma boa análise do solo e verificar quais são suas deficiências, mas também se preocupar com atributos que vão muito além da camada arável. Somente assim conseguirá suprir esta deficiência com uso as práticas de calagem e adubação.

Além das culturas anuais, as pesquisas realizadas atualmente ocorrem também em nível de pós-graduação na Universidade Estadual de Goiás, em áreas com culturas perenes, pastagens, sistemas de integração pecuária-floresta e lavoura-pecuária-floresta, visando as principais práticas de manejo mais adequadas para cada determinado tipo de solo, destacando a necessidade da classificação dos solos nas áreas cultivadas para um melhor direcionamento das ações. Nessas áreas, a caraterização pedológica direciona o manejo adequado para uma melhor resposta em termos de produtividade do sistema implantado.

É importante ressaltar que a pedologia vem alcançando cada vez mais seus espaços em áreas agricultáveis, e que a necessidade do conhecimento detalhado dos solos é uma importante ferramenta para a tomada de decisões.

Avanços com o Programa Pronasolos

Como ação de grande relevância para a pedologia no Brasil, podemos citar o Programa Pronasolos (Programa Nacional de Solos do Brasil).

“Diálogos para a conservação do solo e da água” (6), a ideia do Pronasolos surgiu de um estímulo a partir de uma discussão com o termo “Governança do solo”, como um desafio e um ideal de pesquisadores de diferentes órgãos governamentais com o intuito de obter informações detalhadas sobre os solos brasileiros em uma plataforma única, de tal forma que se possa construir não somente os nossos modelos de agricultura, mas sim propostas para contrapor a degradação do solo, contaminação da água, poluição de recursos hídricos e a perda da biodiversidade.

Um dos impactos do Programa Pronasolos refere-se à potencialização da produtividade agrícola através do planejamento do uso da terra no meio rural, mostrando áreas de maior potencial para produção ou expansão agrosilvopastoril, limitações do solo e produtividades esperadas para cada cultura em microbacia, bacia, município ou estado. (Pronasolos, 2021)

A Educação em Solos: da academia ao agricultor

Nós só enxergamos aquilo que conhecemos, e isso se aplica também para a pedologia.

Através da popularização e valorização dos nossos solos pelos educadores em solos no Brasil, ações de educação em solos têm sido aplicadas desde o ensino básico até o ensino superior, e chegam ao campo como um suporte ao agricultor. Com a construção de perfis didáticos e outras ações, são abordados conceitos relacionados aos atributos pedológicos, tais como aspectos da cor, textura, estrutura, entre outras, e a aplicação prática nas tomadas de decisões do produtor, principalmente na busca da produtividade, de forma a conservar e preservar a saúde e a vida existente no solo.

Um exemplo de prática didática são os personagens divertidos, ferramentas importantes para as ações de educação em solos. A Figura ilustra os personagens Erodilson e Distrofix criados pelo Projeto de Extensão em Educação em Solos para Todos com a proposta de conscientização e valorização dos nossos solos.

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Latossolo vermelho em manejo de Integração Lavoura Pecuária Floresta

Referências utilizadas

(1) Secretário-geral da ONU, António Guterres, em Evento do Dia Mundial do combate à desertificação
(2) (SiBCS, 2018);
(3) Pereira, M.G.; PINHEIRO JUNIOR, CARLOS ROBERTO ; ANJOS, L. H. C. ; Fontana, A. ; LOSS, Arcangelo ; PINHEIRO, H. S. K. ; PEREIRA, A. J. . Aplicações da pedologia na fertilidade do solo com ênfase em solos da região do Cerrado: além da camada arável. TÓPICOS EM CIÊNCIA DO SOLO, v. 10, p. 694-728, 2019.
(4) Canal Rural (2016)
(5) (SiBCS, da EMBRAPA (2018): Sistema Brasileiro de Classificação de Solos / Humberto Gonçalves dos Santos … [et al.]. – 5. ed., rev. e ampl. − Brasília, DF: Embrapa, 2018. 356 p.
(6) Anjos (2020)
Pronasolos