Os impactos da reforma tributária para o agronegócio

Published on: May 21, 2025

“Há mais de 20 anos fala-se em reforma tributária no Brasil e há um consenso, na sociedade, de que ela é necessária…”

Camila Lotito é sócia da Martinelli Advogados, formada em direito pela PUC, especialista em direito tributário e mestre pela FGV.


AgriBrasilis – Quais os impactos da reforma tributária para o agro?

Camila Lotito – Os impactos decorrem da perda dos incentivos fiscais, responsável por um potencial aumento da carga tributária na cadeia produtiva, mesmo considerando as reduções de alíquota previstas no novo regime para produtos agropecuários. Além disso, possivelmente haverá um aumento do custo de produção, por conta da oneração de serviços essenciais, como transporte, logística, armazenagem e arrendamento mercantil, que antes eram tributados com alíquotas diferenciadas ou não tributados, e que agora passarão a sofrer incidência dos novos tributos com alíquota cheia (IBS/CBS).

AgriBrasilis – Por que essa reforma é necessária?

Camila Lotito – Há mais de 20 anos fala-se em reforma tributária no Brasil e há um consenso, na sociedade, de que ela é necessária. Isso porque a carga tributária do país (i) é regressiva, ou seja, tributa-se mais quem ganha menos – e isso inibe o consumo; e (ii) é complexa e insegura – são tantos tributos, é tanta legislação, que se cria uma instabilidade jurídica – o contribuinte tem dificuldade em saber, muitas vezes, se o que está fazendo está certo ou errado, e isso inibe os investimentos.

AgriBrasilis – O que muda para os produtores rurais (PJ e PF)? Quais os prós e contras?

Camila Lotito – Para o produtor rural contribuinte do IBS e da CBS, que perderá os benefícios fiscais do atual regime, haverá a redução de alíquota de 60% na aquisição de produtos agropecuários – considerando uma alíquota de IBS e de CBS de 26,5%, por exemplo, estima-se um aumento de carga tributária de cerca de 10,5%. Ainda, não se pode deixar de mencionar um possível aumento dos custos de produção, decorrente da contratação de serviços essenciais (setor que também será impactado com aumento de carga tributária, como mencionado).

Tais efeitos, porém, poderão ser minimizados em razão da possibilidade de tomada de crédito amplo de IBS e de CBS.

Vale esclarecer que o produtor rural com receita bruta inferior a R$ 3,6 milhões/ano poderá optar por não ser contribuinte do IBS/CBS, hipótese na qual haverá a concessão de um crédito presumido para o adquirente (contribuinte dos tributos). O montante desse crédito ainda não foi determinado, mas poderá gerar uma preferência, pelo mercado, pelo pequeno produtor.

AgriBrasilis – Isso pode resultar no aumento do preço dos alimentos? Por quê?

Camila Lotito – Sim, tendo em vista que, além do produtor rural, todas as demais fases da cadeia de produção do agronegócio serão impactadas pela reforma tributária (mesmo com a redução de alíquota de 100% para alimentos da cesta básica, que possivelmente não será suficiente para neutralizar o aumento da carga tributária no agronegócio, mesmo aliada ao crédito amplo).

AgriBrasilis – Quais aspectos da reforma tributária exigem mais atenção?

Camila Lotito – Um dos temas que mais geram expectativa no contexto da reforma tributária é a fixação das alíquotas do IBS/CBS, o que será feito por lei específica do respectivo ente Federativo (Estados e Municípios para o IBS e União Federal para a CBS). O Senado Federal fixará alíquotas de referência para tais tributos, com o propósito de manutenção da carga tributária.

Outro aspecto importante envolve a análise dos reflexos da reforma tributária em cada modelo negocial, os quais não dependem apenas dos benefícios que serão extintos e da nova sistemática de apuração do IBS/CBS, mas também de variáveis como o preço praticado pelos fornecedores, os custos logísticos, os modelos de processamento industrial e o preço final dos produtos – ou seja, será preciso analisar toda a cadeia produtiva, já que a incidência tributária pode afetar fornecedores, parceiros e clientes de maneiras distintas.

Um último ponto que merece destaque é a necessidade de adaptação dos ERP’s. O novo regime tributário, além da criação de tributos, traz novas diretrizes como a tributação no destino e a adoção de um modelo de crédito e débito com base ampla, além da emissão de uma nota fiscal com o cálculo automático de alíquotas e uma nova estrutura de obrigações acessórias.

AgriBrasilis – Durante a transição, as empresas vão atuar em dois regimes tributários? Como realizar essa adaptação?

Camila Lotito – Durante o período de transição (até 2032), haverá a coexistência dos dois regimes tributários, sendo necessária uma ação multidisciplinar dos contribuintes no processo de adaptação.

Essa ação envolve, especialmente, (i) a área tributária, com o levantamento de possíveis créditos de PIS/COFINS e ICMS, o mapeamento da carga tributária do novo regime e o planejamento do modelo de negócio a ser porventura implementado – considerando as possíveis reduções de alíquota aplicáveis, a possibilidade de crédito amplo e a tributação no local do consumo; (ii) a área contábil e de tecnologia, com a revisão e ajuste do ERP e manutenção de dupla escrituração; (iii) a área comercial, com a revisão dos contratos e preços praticados; (iv) a área trabalhista, tendo em vista os possíveis impactos da reforma tributária; e (v) a área de RH, com o treinamento das equipes.

 

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