“O transporte de cargas por caminhões do Brasil representou, entre 2010 e 2022, aproximadamente 6% das emissões líquidas nacionais…”
Ana Toni é secretária de mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas – MMA, economista com mestrado pela London School of Economics and Political Science e doutorado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
AgriBrasilis – Qual é a importância da descarbonização do transporte de cargas e o que o MMA tem feito nesse sentido?
Ana Toni – O transporte de cargas por caminhões do Brasil representou, entre 2010 e 2022, aproximadamente 6% das emissões líquidas nacionais. O transporte ferroviário e a navegação doméstica equivalem a cerca de 0,2% cada, e a aviação doméstica responde por 0,6%. São setores extremamente relevantes para a descarbonização da economia e das cadeias de valor exportadoras no país.
A descarbonização do setor de transporte logístico servirá de base para exportações de soluções verdes para outros países, por meio da produção de biocombustíveis avançados – diesel verde, SAF, biobunker [biocombustível marítimo], etc. – e de baterias elétricas, em especial para veículos urbanos de carga leve. A descarbonização também servirá para a exportação de soluções de alta complexidade que podem se tornar bastante promissoras em um futuro próximo, tais como pilhas a combustível de etanol ou hidrogênio.
“Descarbonizar esse setor, inclusive no que se refere à navegação e aviação doméstica, é um desafio tecnológico e econômico que teremos que enfrentar”
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima é o órgão responsável pela articulação intersetorial necessária para a formulação do Plano Clima, que engloba a Estratégia Nacional de Mitigação e os Planos Setoriais de Mitigação nas áreas de Energia, Transportes e Cidades (incluindo Mobilidade Urbana). Nosso papel é integrar ações e medidas setoriais por meio de uma efetiva estratégia de mitigação que abarque a economia como um todo, definindo metas setoriais de mitigação, e que sejam monitoradas de forma independente ao longo do tempo, com base em evidências.
AgriBrasilis – Quais são os principais desafios para atuar na descarbonização do transporte de carga no Brasil, considerando dimensões institucionais, financeiras e tecnológicas?
Ana Toni – Os principais desafios estão relacionados ao desenvolvimento de novos biocombustíveis para substituição de combustíveis fósseis, à eletrificação de frotas e implementação de infraestrutura de oferta de energia elétrica de fontes limpas e renováveis e à criação de mecanismos econômicos que direcionem fluxos financeiros de natureza pública e privada para investimentos na descarbonização desses setores, não apenas ampliando sua participação no setor, mas também provendo soluções para o mundo.
A dependência de combustíveis fósseis, em especial do diesel para caminhões de carga, é um “calcanhar de Aquiles” em nosso perfil de emissões. Descarbonizar esse setor, inclusive no que se refere à navegação e aviação doméstica, é um desafio tecnológico e econômico que teremos que enfrentar.
AgriBrasilis – Como a senhora avalia o progresso da descarbonização do transporte de cargas no Brasil?
Ana Toni – O Brasil possui uma matriz de geração elétrica majoritariamente limpa e renovável e um sólido histórico de desenvolvimento e uso de biocombustíveis em larga escala no transporte rodoviário. Essas são bases em que devemos nos firmar para alcançar nossos objetivos climáticos. No entanto, em termos de emissões absolutas, o setor não tem conseguido contribuir com a redução de emissões nacionais, o que significa que o “descolamento” entre o nível de emissões e o crescimento dessa atividade econômica, ou seja, sua intensidade de emissões, ainda não se revelou suficiente para começar uma efetiva descarbonização.
AgriBrasilis – O que é necessário para que o Brasil tenha um ambiente propício para descarbonização do transporte de carga?
Ana Toni – Em primeiro lugar, é necessário que exista uma Estratégia Nacional de Mitigação ambiciosa, factível e comprometida com o desenvolvimento sustentável do país. Associados a ela, são necessários planos setoriais de Energia, Transportes e Cidades que atribuam metas setoriais de carbono e contemplem medidas de mitigação, tendo em vista nossas metas de emissões de 2025, 2030, 2035 e emissões líquidas zero em 2050.
Investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, na expansão da produção de biocombustíveis avançados e de baterias, na infraestrutura elétrica necessária e em novas rotas tecnológicas são elementos-chave. Fundos climáticos, fluxos financeiros de investidores institucionais, instrumentos financeiros, tais como debêntures verdes, taxonomias sustentáveis, dentre outros mecanismos econômicos, são importantes para alavancar esses investimentos.
Outro ponto importante é a precificação do carbono, seja via imposto sobre emissão de CO2 ou com a instituição do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que pode contribuir ainda mais com o redirecionamento do fluxo de investimentos para atividades de descarbonização da economia.
Destaca-se que a precificação de carbono também pode aparecer por meio de impostos de importação com base em emissões de GEE, tal como a União Europeia está instituindo em suas fronteiras. Cadeias de valor descarbonizadas – e o setor de transporte logístico faz parte de cadeias de valor exportadoras – podem se tornar o padrão de comércio internacional em uma década ou menos.
AgriBrasilis – O que o governo federal pode fazer para apoiar/acelerar a descarbonização do transporte de carga no ambiente urbano?
Ana Toni – Dada a emergência climática que vivemos hoje, e a necessidade de o Brasil alcançar suas metas de emissões para 2025 e 2030, além da meta de 2035 ainda a ser definida, e tendo em vista a neutralidade de emissões de GEE até 2050, precisamos de soluções de curto, médio e longo prazo.
No curto prazo, a descarbonização do setor de transporte de cargas terrestre passa pelo aumento do percentual do biodiesel, pela eletrificação de veículos leves de carga urbanos e pela integração entre modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. É nessa fase, porém, que investimentos que vão render mais mitigação no setor, enquanto se mantém seu crescimento econômico, precisam ser realizados, tanto no tocante à PD&I, quanto no que diz respeito à produção energética e infraestrutura logística.
No médio prazo, por volta de 2035, o etanol, o diesel verde e o hidrogênio verde podem começar a ter um papel mais relevante no setor terrestre de cargas, diminuindo a dependência em relação ao diesel. Nos setores de navegação e aviação, os biocombustíveis poderão entrar com mais força, expandindo sua produção tanto para consumo interno quanto externo. O Brasil pode se tornar líder nesses mercados em nível global. A eletrificação de caminhões mais pesados também é uma trajetória interessante que estamos explorando, além da integração de modais com novas ferrovias e hidrovias sendo construídas ou finalizadas.
No longo prazo, as tendências mencionadas no médio prazo se consolidam e se aproveitam da maturidade tecnológica e das economias de escala para se tornarem vetores de desenvolvimento sustentável e descarbonização da economia entre 2035 e 2050. O consumo de diesel e biodiesel tradicional no transporte terrestre rodoviário será substituído de forma mais acelerada pelo diesel verde, eletrificação, hidrogênio e pilhas a combustível de etanol ou hidrogênio. Essas são soluções que o Brasil pode, e deve, exportar para o mundo.
O transporte ferroviário e a navegação por hidrovias devem estar integrados ao modal rodoviário, permitindo que a logística de baixo carbono prevaleça e descarbonize nossas cadeias de valor, tendo em vista a precificação de carbono no plano nacional e internacional, via mecanismos de ajuste de carbono na fronteira, por exemplo. A aviação e a navegação doméstica, por sua vez, estarão também operando com os novos combustíveis avançados citados anteriormente, ao passo que o Brasil poderá se tornar um grande player no mercado global de SAF e biobunker.
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