“…agilidade das startups, associada à maior tolerância a riscos e adoção de tecnologia de ponta, transforma a forma pela qual se produz novas tecnologias e se gera valor na agropecuária…”

Martha Delphino Bambini, analista de inovação na Embrapa

Maria Beatriz Machado Bonacelli, professora na Unicamp
Martha Delphino Bambini é analista de inovação na Embrapa Agricultura Digital, atuando nas áreas de inovação aberta, articulação de parcerias e relacionamento com startups e ecossistemas de inovação e empreededorismo. Bambini é mestre e doutora em política científica e tecnológica, especialista em administração de empresas pela FGV-SP e engenheira química pela Unicamp.
Maria Beatriz Machado Bonacelli é professora do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Unicamp e presidente da Comissão de Avaliação do Contrato de Gestão entre o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Bonacelli é graduada e doutora em ciências econômicas pela Unicamp e pela Université des Sciences Sociales de Toulouse, respectivamente, especializada em economia do sistema agroalimentar.
A partir dos anos 2000, uma onda de inovações agropecuárias tem transformado a cadeia de valor agroalimentar através da convergência entre vários campos tecnológicos: biologia, agronomia, ciência vegetal e animal, digitalização e robótica. A adoção de tecnologias digitais em atividades de pesquisa agropecuária e nas propriedades rurais contribui para ganhos de produtividade, aumento de resiliência e sustentabilidade, eliminação de desperdícios e melhora da eficiência em logística e comercialização, oferecendo maior transparência e confiabilidade às atividades da cadeia produtiva, da fazenda até a mesa do consumidor.
O movimento empreendedor baseado em tecnologias aplicadas à agropecuária – chamado AgTech, AgriTech, AgroTech ou AgriFoodTech – tem contribuido para a dinâmica da inovação agrícola. A agilidade das startups, associada à sua maior tolerância a riscos e adoção de tecnologia de ponta, transforma a forma pela qual se produz novas tecnologias e se gera valor na agropecuária.
AgTechs vêm se tornando centrais nos processos de inovação aberta, estabelecendo parcerias com corporações do setor agropecuário, cooperativas, institutos de pesquisa e universidades, assim como outras startups e grandes empresas do ramo digital e de telecomunicações.
Surge, com isso, uma nova dinâmica, estruturada a partir de ecossistemas de inovação, que incluem organizações geradoras de novos empreendimentos, como incubadoras e aceleradoras de empresas e investidores de risco, essenciais para oferecer conhecimentos, boas práticas e recursos para o desenvolvimento de empresas nascentes.
Este contexto colaborativo leva ao desenvolvimento e difusão de novos produtos e serviços para produtores e outros elos das cadeias agropecuárias, a partir do emprego de novas tecnologias convergentes e da ampliação dos mecanismos para conectividade no campo.
O segmento AgriFoodTech se divide em duas vertentes: “AgTech” com foco em soluções tecnológicas envolvendo insumo, produção e logística e “FoodTech” associado a insumos e tecnologias para agroindústria, novos alimentos e novos modelos de comercialização de produtos. AgriFoodTech se refere ao conjunto desses segmentos, desde a fazenda até o prato do consumidor, porém muitas vezes continua sendo utilizada de forma simplificada a nomenclatura “AgTech”.
O fortalecimento global do segmento AgTech se deu a partir de 2013 e, em 2020, observou-se um novo ponto de inflexão, motivado por startups que se fortaleceram a partir de oportunidades advindas da covid-19.

No que se refere ao investimento de venture capital, o relatório da AgFunder destaca um crescimento de 85% entre 2020 e 2021. Segmentos com maior avanço foram aqueles que atenderam demandas que surgiram na pandemia, como o de venda online de gêneros alimentícios, que cresceu 188% no período, recebendo mais de um terço dos investimentos do setor. Outras categorias que dobraram seus investimentos foram alimentos inovadores, restaurantes online e kits de refeição e infraestrutura de varejo em nuvem. Novos sistemas de produção, em especial fazendas verticais e cultivos indoor, também apresentam expectativa de aumentos de investimentos em 2022.
O relatório da Startup Genome destaca alguns subsegmentos do mercado AgTech que vêm atraindo o interesse de investidores. Consumidores continuam buscando fontes de alimento mais sustentáveis, em especial envolvendo alternativas à proteína animal. Em 2021, verificou-se o crescimento de empreendedorismo early-stage tanto em alternativas à carne – cultivada e não cultivada – quanto em relação a produtos veganos.
Existem sub-segmentos no campo das AgriFoodTechs apresentando tendências de crescimento e consolidação. CleanTech e GreenTech envolvem soluções sustentáveis, ecológicas e ambientais, com ideias e conceitos inovadores. ClimaTech refere-se a startups criadas para promover enfrentamento das mudanças climáticas. FarmTech abrange os segmentos de agronomia digital, produção, planejamento e apoio à decisão, logística, acesso a mercado e financiamento.
Os desafios globais da agricultura por maior sustentabilidade e por métodos de adaptação e mitigação às mudanças climáticas representam uma oportunidade e um gap a ser suprido por CleanTechs, GreenTechs e ClimaTechs.
Outro subsegmento é o AgroFinTech, formado por startups que facilitam a movimentação financeira e o acesso a crédito para o produtor rural ou outras empresas do agronegócio, geralmente por mecanismos digitais. De maneira geral, estes segmentos seguem uma abordagem multidisciplinar, adotando técnicas de Inteligência Artificial, Big Data e Analytics e práticas de Indústria 4.0.
Pode-se dizer que a multidisciplinariedade e a subsegmentação no mercado AgriFoodTech são indícios de maturidade que o setor vem adquirindo, cada vez mais apoiado por incubadoras e aceleradoras especializadas, com aumento dos investidores e modalidades de investimento.
O mapeamento das startups brasileiras conduzido pelo Radar AgTech evidencia categorias de soluções desenvolvidas para os elos de produção – sistema de gestão de propriedade rural, plataforma integradora de sistemas, drones, máquinas e equipamentos e sensoriamento remoto, diagnóstico e monitoramento por Imagens – e pós produção, especialmente as categorias alimentos inovadores e novas tendências alimentares e marketplaces e plataformas de negociação e venda de produtos agropecuários. Estas cinco categorias representam cerca de 51% das AgTechs mapeadas.
O estudo do Distrito corrobora a esta visão, destacando a prevalência de soluções para agropecuária de precisão, em especial, softwares de gestão da produção agropecuária e aplicações em internet das coisas e big data analytics para o campo. Aplicações em biotecnologias, automação e robotização e soluções de marketplace também se destacam.
O panorama aponta um espaço para crescimento do segmento como um todo, a partir de um aumento do interesse e confiança dos investidores. Startups focadas em novos sistemas de produção têm perspectiva de alta de investimentos, envolvendo cultivos urbanos tecnológicos e novas formas de produção, tendo se destacado pelo pioneirismo e atraído atenção para novos aportes.
O Brasil é, hoje, o 6º mercado em termos de investimentos de venture capital em AgTechs, atrás de Estados Unidos, China, Índia, Alemanha e Reuno Unido. O relatório do Distrito destaca ainda que o crescimento das startups com foco em inovação agrícola tem sido orgânico, sem grandes esforços dirigidos para a fundação de novas AgTechs. No entanto, há que se considerar o fortalecimento de incubadoras e aceleradoras especializadas no segmento AgTech, assim como hubs de inovação e fundos de investimento especializados – internacionais e nacionais – atuando no Brasil. Esta estrutura de apoio especializada é um fator que contribui para o desenvolvimento e crescimento das startups no setor.
O mercado brasileiro possui várias características que podem beneficiar o segmento AgTech, entre elas: a relevância do setor agropecuário para a economia brasileira (27,4% do Produto Interno Bruto brasileiro, o maior percentual desde 2004); a importância de seu mercado interno e das exportações do setor; seu pioneirismo e competência científica em agricultura tropical; juntamente ao fortalecimento do ecossistema de inovação agrícola brasileiro a partir da estrutura de fomento ao empreendedorismo e o apoio institucional dos setores governamentais.
Essa combinação de condições possui grande potencial para render bons frutos no mercado nacional e possibilitar o avanço de startups brasileiras em novos mercados, em especial a América Latina, assim como incentivar fusões e aquisições entre startups e grandes empresas atuando em AgriFoodTech.

Distribuição das AgTechs por segmento (FONTE: Radar AgTech)
