“Desmatamento, poluição e degradação ambiental afetam a produção de bens e serviços, o bem-estar dos indivíduos e o acesso de produtores locais a mercados.”

Ariaster Baumgratz Chimeli, professor de economia na Universidade de São Paulo
Ariaster Baumgratz Chimeli é professor de economia na Universidade de São Paulo, bacharel em economia pela Universidade Federal de Minas gerais, mestre e PhD pela University of Illinois at Urbana-Champaign e pós-doutor pela Columbia University. Chimeli tem sua pesquisa concentrada na ligação entre economia, meio ambiente e desenvolvimento.
AgriBrasilis – Como o desmatamento e a poluição ambiental impactam na economia do Brasil?
Ariaster Chimeli – Desmatamento, poluição e degradação ambiental afetam a produção de bens e serviços, o bem-estar dos indivíduos e o acesso de produtores locais a mercados.
A agropecuária no Brasil oferece uma boa ilustração: o país não é uma potência na produção agropecuária por acaso. O sucesso no setor vem de trabalho, pesquisa e inovação, em grande parte impulsionada pela Embrapa e pelos recursos naturais, que possibilitam produção em larga escala. Entre esses recursos estão, por exemplo, um regime de chuvas que proporciona condições favoráveis à produção em várias regiões do país. Desmatamento pode impactar o regime de chuvas, contribuindo para o aquecimento global e comprometendo a produção agropecuária.
Em alguns círculos ouve-se a reclamação que o Cadastro Ambiental Rural gera punições a infratores, ao passo que agricultores que cumprem a lei não recebem incentivo positivo. No entanto, proteção de vegetação em escala suficientemente grande beneficia a todos. Aqueles que seguem a lei se beneficiam da proteção ambiental.
Outros impactos da degradação ambiental na produção são as consequências para setor do turismo, que depende de recursos naturais, a redução da produtividade de trabalhadores expostos a poluentes e a consequente perda de lucratividade de empresas.
Embora o bem-estar dos indivíduos não pareça à primeira vista uma questão econômica, economistas tipicamente encaram as escolhas de produção e consumo como motivadas pelo bem-estar dos indivíduos que compõe a sociedade. Sendo assim, a literatura identifica vários poluentes que agravam a saúde humana. O aumento da morbidade e mortalidade têm sérias consequências para a qualidade de vida da população, assim como para a produtividade dos trabalhadores e, em consequência, para a lucratividade das empresas.
Na medida que consumidores, países e empresas em diversos pontos de cadeias produtivas ficam sensíveis à impactos ambientais, produtores com impacto negativo podem sofrer restrições de acesso a mercados. A União Europeia, por exemplo, tem legislação que restringe o comércio de certas máquinas e equipamentos que contenham substâncias tóxicas, regula a entrada de substâncias químicas e, mais recentemente, avança na implementação de barreiras tarifárias a produtos com alto teor de emissões de gases do efeito estufa advindos de países com políticas menos ambiciosas de mitigação das mudanças climáticas. Barreiras tarifárias para produtos com altas emissões de gases tendem a ter um grande impacto sobre o aço brasileiro e, futuramente, outros produtos. Também na esfera nacional, consumidores estão cada vez mais sensíveis a produtos e empresas com imagem de degradadoras.
AgriBrasilis – O país já está sofrendo penalidades por questões ambientais?
Ariaster Chimeli – Internacionalmente, a imagem do Brasil com relação à proteção ambiental é colocada frequentemente em questão. Isso pode dificultar nossa habilidade de negociar acordos das mais diversas naturezas. Mais recentemente, com grandes aumentos nas queimadas da floresta Amazônica, alguns países ameaçaram sansões e esfriaram a aproximação entre Mercosul e União Europeia. Algumas empresas internacionais também anunciaram a suspensão de compra de insumos brasileiros que pudessem estar associados ao desmatamento.
Na esfera nacional, eventos climáticos extremos sugerem consequências da degradação ambiental. Embora seja impossível afirmar que chuvas extremas, secas, deslizamentos de encostas e alagamentos em um dado ano sejam consequência de mudanças climáticas, o aumento da frequência desses eventos sugere que as mudanças climáticas estão trazendo danos à nossa economia e bem-estar. Estas “penalidades” naturais são consequência de um histórico de degradação ambiental que aumenta o risco sistêmico da economia na sua forma tradicional de funcionamento. Tais penalidades ambientais podem ser várias ordens de magnitude maiores do que as penalidades impostas por países e empresas.
Riscos sistêmicos de um modo de funcionamento da economia podem ser catastróficos e exemplos históricos existem. Um caso icônico na agricultura é o fenômeno Dust Bowl, que ocorreu nas planícies dos EUA na década de 1930. Uma combinação de práticas agrícolas que expunham o solo e seca geraram tempestades de poeira que mataram pessoas, gado e comprometeram safras e a economia local.
AgriBrasilis – Tendo em vista que um dos principais setores da economia é o agronegócio, como é possível o desenvolvimento econômico de forma sustentável?
Ariaster Chimeli – O desenvolvimento do Brasil necessariamente passa pelo agronegócio e pela proteção ambiental para a própria sobrevivência do setor. O agronegócio tem e terá grande importância para a economia nacional na geração de empregos, lucros e tributos e na dinamização da economia que o setor provê.
O agronegócio também depende da qualidade de solos, regimes de chuva e outros serviços ecossistêmicos. Para que o país cresça de forma sustentável, é importante fortalecer instituições que prezam pelo florescimento do agronegócio e pela sua proteção no longo prazo. Esta ótica de proteção dos interesses nacionais incluindo segurança para o produtor e consumidores e bem-estar da população em geral se aplica a todos os setores.
Um diálogo técnico e transparente que garanta desenvolvimento sustentável do país passa necessariamente por instituições sólidas de proteção dos negócios e do meio ambiente. Conflitos de interesse sempre existirão. O que garante o encaminhamento construtivo desses conflitos é um ambiente institucional respeitado pelos cidadãos e os grupos de interesse que naturalmente compõe a sociedade.
AgriBrasilis – De que forma a preservação do meio ambiente no Brasil pode beneficiar as relações com investidores?
Ariaster Chimeli – Tudo indica que consumidores locais e internacionais prestarão cada vez mais atenção às ações ambientais, sociais e de governança das empresas. Um histórico de degradação por parte de empresas sinaliza a investidores um passivo ambiental capaz de restringir acesso a mercados ou se transformar em futuros processos legais com compensações vultosas, o que reduz o valor de empresas e desestimula investimentos.
Analogamente, comprometimento com proteção ambiental e ações sólidas de preservação sinaliza menores riscos. Do ponto de vista das empresas, uma agenda ambiental proativa, além de reduzir o passivo ambiental, traz vantagem competitiva na antecipação de legislação, branding, acesso a capital de baixo custo e atração de talentos.
O mercado financeiro internacional tem se mobilizado desde a década de 1990 para promover financiamento a empresas e projetos com sólida agenda de ações ESG. Mais recentemente observamos o crescimento de instrumentos financeiros dedicados ao financiamento de projetos alinhados com uma agenda de baixo impacto ambiental negativo. Ações concretas de preservação ambiental podem ser o diferencial para o acesso a mercados de crédito.
AgriBrasilis – O que significa valoração ambiental?
Ariaster Chimeli – Valoração ambiental se refere à estimativa do valor de ecossistemas, qualidade do ar e das águas, regime de chuvas ou qualquer indicador de qualidade ambiental. O que existe de peculiar na valoração ambiental é que não existem mercados para os bens ambientais.
Diferente do caso de bens para os quais existem mercados, não podemos recorrer a preços de bens ambientais para estimarmos seu valor. No entanto, sabemos que o valor existe.
Para tentarmos estimar o valor de bens e serviços ambientais recorremos a técnicas estatísticas que seguem o comportamento de consumidores e produtores, ou que de alguma forma pede que esses produtores ou consumidores declarem o valor de bens ambientais. Por exemplo, o valor da terra depende de vários fatores que incluem qualidade do solo, regime de chuvas, qualidade da água dos rios e distância de mercados, entre outros. Sendo assim, duas terras idênticas exceto pela qualidade da água do rio adjacente utilizado para irrigação terão preços diferentes. A terra com fácil acesso a água de boa qualidade será, geralmente, mais cara do que a sua equivalente com água de pior qualidade.
O diferencial de preço nos revela algo sobre o valor da qualidade da água naquele contexto. Em outros casos, não conseguimos atrelar um bem de mercado (terra) a um bem ou serviço ambiental (qualidade da água) e recorremos a técnicas onde usuários declaram o máximo sacrifício (pagamento) que eles estariam dispostos a fazer para garantir uma melhor qualidade ambiental. No contexto urbano, por exemplo, podemos realizar experimentos para estimar o quanto cidadãos estariam dispostos a pagar para coibir queimadas e evitar ondas de fumaça e chuva contaminada.
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