O Brasil é o maior produtor e consumidor de arroz fora da Ásia. O suprimento anual do país alcança cerca de 15 milhões de toneladas do produto em casca, atendendo o consumo de 12,14 milhões de toneladas anualmente. Em 1940 foi fundado o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) como entidade pública, para incentivar e coordenar a defesa da produção, da indústria e do comércio de arroz produzido no Estado do Rio Grande do Sul.
O Diretor Técnico do Irga, Ivo Mello, cedeu a seguinte entrevista para a AgriBrasilis. Ele possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi Presidente da Fundação Maronna, Presidente da Federação Brasileira de Plantio Direto, e Diretor Técnico de Meio Ambiente da Federarroz. Atualmente é Diretor Técnico do Irga desde fevereiro de 2020.
AgriBrasilis – A região Sul do Brasil, principalmente o estado o RS produz cerca de 80 a 85% da produção nacional de arroz. O que se pode falar sobre a safra deste ano?
Ivo Mello – Na realidade, a safra 19/20 contabilizou pouco mais de 70% do arroz produzido no Brasil originado no RS. Se somar a Santa Catarina, podemos chegar a 80% ou mais. Os dados da CONAB sobre a safra 19/20 tem os números fechados.
Para a próxima safra 20/21, que está em plena época de semeadura, os arrozeiros gaúchos apontaram uma intenção de plantio ligeiramente maior que a área colhida na safra anterior. A intenção de semeadura para o RS safra 20/21 está no site do IRGA – https://irga-admin.rs.gov.br/upload/arquivos/202010/08091405-evolucao-da-semeadura-20-21.pdf. No mesmo informe já temos consolidados até o dia 07/10/2020 aproximadamente 1/4 desta intenção semeada.
AgriBrasilis – Os preços no mercado apresentaram aumentos representativos, qual a previsão para próxima safra? a área plantada tem poderá ser aumentada?
Ivo Mello – Na intenção de semeadura o incremento de área é pequeno (pouco mais de 3%) e nós estamos atribuindo a atitude do produtor principalmente ao fato de que os que resistiram até aqui (depois de dez anos com preços muito baixos e pouco remuneradores), estão conscientes de que não podemos incrementar a produção sob pena de forçarmos os preços para baixo novamente.
Nos últimos 5 anos pelo menos, Federarroz e IRGA trabalharam para conscientizar o produtor a racionalizar seu sistema de produção investindo em boas práticas que comprovadamente contribuem para diminuir custos de produção e aumentar produtividade. Como exemplos: rotação com soja e pastagens, áreas com maior facilidade de manejo da irrigação, evitar áreas com plantas daninhas resistentes, utilização de variedades com maior potencial produtivo, entre outros.
AgriBrasilis – Porque os preços do arroz subiram tanto no mercado?
Ivo Mello – Primeiro porque se trabalhou para reduzir a oferta como citei acima. Vários anos com preços deprimidos fizeram com que somente os que lograram racionalizar seus custos e otimizar seus resultados permanecessem na atividade (e isso foi geral em praticamente todo o Brasil). Iniciamos a colheita com uma boa expectativa de que os preços deveriam estar em um patamar mais elevado do que a safra 18/19.
Mas em plena colheita com o desencadeamento da pandemia vários fatores contribuíram para que os preços experimentassem uma ascensão imprevisível sob nosso ponto de vista:
1) exportadores tradicionais de arroz como Índia, Vietnã e Tailândia saíram do mercado no final de março;
2) os Estados Unidos estavam em plena entressafra e sem estoques para disponibilizar ao mercado;
3) quem precisava comprar como o México saiu às compras e encontrou no Brasil disponibilidade com boa qualidade. a exemplo do México outros compradores internacionais vieram em busca do arroz brasileiro;
4) as pessoas ficaram em casa e tiveram que cozinhar – a segunda pesquisa mais numerosa do Google no Brasil em abril foi: “como cozinhar arroz”;
5) no início da pandemia as pessoas foram às compras nos supermercados e adquiriram quantidades extras de arroz;
6) com taxa de câmbio alta vender para outros países foi um excelente negócio para produtores que fornecem para as indústrias e tradings.
Com este cenário a lei mais antiga da humanidade funcionou como nunca: muita procura >>>> preços em ascensão
AgriBrasilis – A expectativa é dos preços se manterem mais altos até a próxima safra?
Ivo Mello – Pensamos que sim, pois apesar desta ascensão de preços aparentemente desproporcional considerando o curto espaço de tempo, o preço do arroz no Brasil estava muito baixo comparado a quaisquer regiões do planeta. Mesmo com os preços de hoje, ainda é um alimento muito barato e com qualidades incomparáveis.
Nossa expectativa é que a partir da próxima safra tenhamos um patamar de preços mais alto comparado as dez últimas antes da 19/20. Provavelmente não deveremos manter o preço do sacos de 50 kg acima dos 100 reais, mas pensamos que a base deverá estar acima dos R$ 65,00 em março de 2021.
AgriBrasilis – Quais são as principais dificuldades da cultura na região?
Ivo Mello – Em termos agronômicos a principal dificuldade é o controle de plantas daninhas. Este é um problema de quase todas as culturas de grãos hoje em dia, mas no arroz temos uma particularidade que a principal planta daninha é da mesma espécie botânica o que dificulta muito seu controle.
AgriBrasilis – Como é realizada a rotação de culturas em áreas de arroz irrigado?
Ivo Mello – Tradicionalmente, tínhamos a rotação com a pecuária, mas com pouco investimento por parte das parcerias entre proprietário pecuarista e arrozeiro arrendador. Mas nos últimos anos desenvolvemos a alternativa da soja em rotação com arroz que já ocupa mais de 30% da área (19/20).
Também as parcerias entre a criação de gado e arrozeiras incrementaram sua qualidade proporcionando um equilíbrio maior de forças. Em todos os locais onde a rotação de cultivos seja com a soja ou com pastagens tem sido bem conduzida, as produtividades do arroz incrementam em pelo menos 10% e os custos reduzem em pelo menos 10%.
AgriBrasilis – Segundo dados do Cepea, nos últimos 10 anos, foi comum o produtor não ter receita suficiente para cobrir seu custo total de produção e migrar para outras culturas. Isso tem sido realidade também no Rio Grande do Sul?
Ivo Mello – As últimas dez safras antes da 19/20 foram muito desafiadoras para o produtor de arroz no RS exatamente pelo fato que os preços de comercialização deprimidos pela diminuição de consumo per capita no Brasil e pela oferta abundante, acabaram forçando alguns produtores a abandonar a atividade.
AgriBrasilis – Na última década, o Brasil sempre exportou uma pequena parte de sua produção e concomitantemente, importou um número muito semelhante, porquê?
Ivo Mello – Porque pela força do acordo do Mercosul nossos vizinhos também são produtores de arroz de boa qualidade e o melhor mercado para vender é o vizinho e enorme Brasil. Uruguai, Argentina e Paraguai são hoje importantes produtores de arroz utilizando basicamente a mesma tecnologia desenvolvida para o Rio Grande do Sul, não são consumidores de arroz internamente e por isso são fornecedores deste cereal para o nosso mercado. Com isto, restou à cadeia produtiva do arroz brasileiro, buscar terceiros mercados para posicionar nosso produto.
AgriBrasilis – Como a taxa de câmbio desfavorece a importação no mercado interno?
Ivo Mello – Real desvalorizado fortalece nossas exportações. Por ser um mercado pequeno em relação às outras commodities como soja e milho, o preço do arroz no mercado internacional varia muito pouco em dólar. Mas quando nossa política cambial valoriza o dólar em relação à nossa moeda, os preços para exportar o grão ficam bastante atrativos.
