Mulheres do agronegócio

mulheres do agro
Publicado em: 17 de setembro de 2020

Um setor composto majoritariamente por homens e considerado tradicionalmente masculino, o agronegócio brasileiro vem remodelando sua face ao longo do tempo. Entre 2002 e 2015, as mulheres representavam 28% do total de trabalhadores no campo. Contudo, a presença feminina geral no Brasil soma 40% na Taxa de Participação Feminina na Força de Trabalho (TPFT), segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Há alguns anos, era esperado que as meninas auxiliassem na cozinha enquanto os meninos ajudavam o pai na fazenda. Esse contexto desencadeou um desafio a ser enfrentado pelas agricultoras de mais idade: uma falta de experiência devido à organização familiar.

Hoje as oportunidades são alcançadas atualmente com maior facilidade quando comparado ao cenário de anos anteriores. A nova geração passou a optar por trabalhar na fazenda e por realizar estudos acadêmicos relacionados à agricultura. A conquista do espaço feminino nas universidades, principalmente nos cursos de ciências agrárias, é o primeiro passo para o empoderamento no agronegócio, cujas consequências são maior capacitação e representatividade.

De acordo com pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ (ESALQ) da Universidade de São Paulo, o número de mulheres que trabalham no agronegócio aumentou 8,3% entre os anos 2004 e 2015. Apesar de a conjuntura atual ser mais favorável à liderança e à participação feminina no setor agrícola, ainda existem preconceitos inerentes quando uma mulher, cercada por homens, pisa no campo.

A AgriBrasilis conversou com duas representantes de destaque no agronegócio, Téia Fava, pecuarista e diretora
regional da Associação de Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e Fernanda Falcão, proprietária e responsável técnica da empresa Sementes Falcão.

Téia Fava, graduada em Administração de Empresas, encontrou uma paixão na criação de gado e na produção rural de bovinos de corte. A profissional também é empresária, proprietária de fazenda e diretora regional da Acrimat. Sua criação contou com o apoio da família na sua escolha profissional, especialmente de seu pai, produtor rural no Paraná: “Eu sempre tive o apoio incondicional de meu pai como menina, como mulher, como filha e como profissional”, comentou.

Téia discorreu que, nos anos 70, suas amigas “nunca foram subjugadas porque eram mulheres”, nem nunca foram designadas para tarefas domésticas obrigatórias que as privavam de seu amor pela fazenda. Quando questionada como é ser mulher no agronegócio, respondeu: “é ter uma visão mais detalhada do que é necessário em uma propriedade rural; é olhar mais afetuosamente para os funcionários, suas famílias e seus problemas, sendo algo que
se estende para o bem-estar de todos”.

“Animais bem-amados e a sensação de poder valorizar cada um que nasce; é assim que eu noto minha fazenda
hoje: mais humana, mais sensorial”. Essa estratégia gerou resultados: em outubro de 2019, Téia foi uma das
vencedoras do prêmio Mulheres do Agronegócio, honraria concedida pela Associação Brasileira do Agronegócio
(ABAG) em parceria com a Bayer. Ela concorreu com outras 250 produtoras do País, e foi vitoriosa na categoria Gestão Inovadora em Grandes Propriedades. “Ganhar esse prêmio foi algo imensurável. Temos grandes histórias de mulheres no setor, mas creio que precisamos às incentivar a contá-las, assim como aconteceu comigo”, lembra.

Em contrapartida, este reconhecimento não foi o único de sua trajetória. Sua fazenda, de aproximadamente dois mil
hectares e 1100 cabeças de gado, foi indicada em 2008 pela ONG internacional The Nature Conservancy (TNC), uma das maiores entidades ambientais do mundo, como medalhista de bronze das propriedades rurais mais sustentáveis do Brasil. Em relação à cuidados de preservação ambiental, Téia explica que “a terra e a água respondem à nós o tempo todo. Como são tratadas e como você as conduz. Hoje minhas nascentes estão sendo reflorestadas e cercadas. Creio que temos muito a ganhar com a natureza em conjunto conosco”.

A temática da sustentabilidade recebe atenção especial da pecuarista, principalmente em relação à regularização ambiental. “Procuramos ter o bem-estar implícito em todos os setores da propriedade, tanto em recursos humanos quanto em água e animais”, afirmou. Atualmente, Téia cria Nelores, e quando perguntada sobre bem-estar animal e
manejo racional em bovinos de corte, dá uma dica: “como faço cria, há 3 anos praticamos a desmama racional na
fazenda. Mães e filhos não perdem o contato visual, nem ficam presos no curral. São separados apenas por um corredor com cercas de 6 fios de arame. Lá, apascentados, os desmames tem como companhia madrinhas paridas.
Com a presença dessas vacas, as crias se sentem protegidas. Depois dessa prática, não notamos mais os bezerros
emagrecendo, sentindo os efeitos da desmama”.

Com um passado rico em experiências e realizações no agronegócio, Téia, que hoje reside em Mato Grosso, relatou
que se sente “extremamente bem recebida pelo setor”, e que o preconceito no exercício profissional nunca fez parte de suas vivências. “As mulheres sempre souberam o poder que têm. É uma questão de capacidade e conhecimento,
independentemente do gênero”, completou.

Fernanda Falcão é outra personalidade marcante. Poderosa no setor agrícola, a mulher graduou-se em Agronomia na Universidade de Passo Fundo. É proprietária e gerente técnica da empresa Sementes Falcão, que tem mais de 30 anos de existência no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, comercializando sementes e grãos.

Desde criança, quando seu pai a levava para a fazenda, ela “quis seguir no ramo agrícola”. “Mesmo sem ter a intenção de influenciar na minha carreira, meus pais sempre me incentivaram a seguir a profissão na qual tivéssemos identificação e paixão”, explicou.

Olhando para trás, Fernanda reflete que “havia muito menos mulheres no ramo do agro”, mas nunca precisou enfrentar o preconceito ou a discriminação sexista, pois nunca permitiu que essa distinção acontecesse. A engenheira agrônoma conquistou seu espaço e a confiança dos seus colegas através do esforço, determinação, dedicação e humildade.

“Para mim, conhecimento e capacidade profissional não tem gênero; só depende de nós mesmas buscarmos isso”, declarou. Visando um futuro mais pleno para todas, Fernanda aconselha: “é muito importante que nós, como mulheres, tenhamos a certeza da nossa capacidade e de que não há nada que não possamos fazer”.

Gerente técnica da Sementes Falcão, Fernanda explica sobre a média de vigor dos lotes de sementes da empresa “nosso padrão mínimo é de 85% de vigor e 90% de germinação, entretanto nas últimas 5 safras as médias de vigor foram de 87% a 92% e de germinação entre 92 e 95% entre todos os lotes. Produzimos em torno de 130 a 150 mil sacos de sementes de soja, trigo e aveia”.

Em relação ao uso de inovações tecnológicas, a empresa não fica para trás, procurando “estar em constante melhoria de todos os processos. Como através de softwares modernos que a própria empresa desenvolveu para realização da gestão de todos os processos de forma precisa. Procuramos testar e estar em contato com os pesquisadores para que a decisão técnica do insumo a ser usado seja a ideal para cada situação, utilizando agricultura de precisão e agricultura digital. Temos o processo de ensaque robotizado na Unidade de Beneficiamento de Sementes e
muitas outras tecnologias. Mas a palavra-chave é rentabilidade, associada a produtividade e redução do impacto ambiental”.

“A empresa respeita a legislação ambiental vigente, preservando as matas ciliares e cursos hídricos que passam pelas propriedades. Temos um rígido controle de erosão dos solos e conservação das águas da chuva, através de um moderno sistema de terraceamento base larga em nível para o sistema plantio direto, o qual tem sido responsável pelo aumento da matéria orgânica e fertilidade dos solos”. Unindo avanços tecnológicos e preservação ambiental, a Sementes Falcão dispõe de excelência na produção de sementes há mais de 30 anos.

A mudança na relevância da distinção de gêneros no agronegócio parece seguir um caminho inevitável. Afinal, por que o setor agrícola não seria lugar para as mulheres?

 

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